quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Tema 029 - NO MEIO DA ALEGRIA

AS TIAS
Mariazinha Cremasco


Júlio estava de viagem marcada. Ia fazer M.B.A em Harvard. Estávamos no carro, indo para seu "bota-fora". Estudante profissional. Era assim que meu marido classificava o sobrinho. Se eu não o conhecesse tão bem, diria que ele estava com inveja.
Júlio era de família classe-média e estava casado com uma moça muito rica, filha de banqueiro. Vivia bem, morava bem e estava sempre estudando. Um curso atrás do outro. Agora, quem diria, fora aceito em Harvard. Estudante profissional.

Íamos pela Raposo Tavares, num lindo domingo de sol e céu azul. As crianças num fogo só, excitadíssimos. Falavam pelos cotovelos e eu só recomendando que se comportassem, que não fizessem comentários. Eles eram terríveis. Tinham um vocabulário riquíssimo e um talento especial para apelidar pessoas. Para que se tenha uma idéia, um dia apelidaram um amigo da escola de "Mentira". Tanto o chamavam assim que o menino, de Mentira, passou a ser "Mente". Era conhecido apenas por "Mente". Um dia perguntei a razão desse apelido. Devia-se ao fato do menino mentir muito? Me explicaram que não. Era simplesmente porque mentira tem perna curta. Que crueldade. Mente nem era tão baixinho, mas realmente tinha pernas curtinhas. Mentira. Mente. Agora imagine a minha preocupação numa festa de família com essas pestinhas. Todas as tias com apelidos. Meu Deus!

Chegamos ao elegante condomínio na Granja Viana e eu continuava recomendando: não corram, não gritem, não mexam nas plantas, sejam normais, por favor, sejam normais, e todas aquelas coisas que as mães chatíssimas costumam dizer para os filhos.

A mãe de Júlio, irmã de meu marido, nos recebeu. Imediatamente, involuntariamente, olhei pros pestes e me lembrei do apelido dela, "Sra Voorhees". Aquela, mãe do Jason do "Sexta-Feira 13". Cá pra nós... ela é a cara da mulher de Cristal Lake. Embuti meu riso e entramos.

Logo vimos Bete, outra tia. Muito maquilada. Ela era assim mesmo. Pintava-se ao sair da cama e para qualquer ocasião. Sobrancelhas negras arqueadas, reforçadas pelo lápis preto. Isso lhe valeu o apelido de "Diaba". E aqueles meninos rindo, ah se eu pudesse tapar a boca deles! Imaginem a Sra. Voorhees e a Diaba - que dupla!

A Diaba... desculpe, a Bete, era uma mulher profundamente infeliz, reclamona, triste. Não achava graça em nada. Tinha o hábito de fazer "comentários", digamos, sobre a vida alheia. Tanto que, mal me viu, foi logo dizendo:

- Você viu a Ofélia (uma velha amiga da família)? Nossa, como ela está velha, acabada, enrugada. E olha que tem a minha idade. Estudamos juntas. Eu não estou assim, não é? Estou bem melhor que ela, não acha? Deus me livre, como ela está feia.

Antes que eu pudesse responder (sorte minha), a endiabrada Bete saiu do meu lado e foi, provavelmente, procurar outra vítima.

Me flagrei procurando a Ofélia. Lógico. Não demorei a avistá-la. Ao contrário de Bete, Ofélia era alegre, extrovertida, atirada, recém saída de um casamento. Tinha um gatil em casa. Confidenciou-me que criava quarenta gatos. Descabelada, falante, recebeu o apelido de "Ofélia, a louca".

Mal nos cumprimentamos e Ofélia me vem com essa, curta e direta:

- Menina, estou passada! Como a Bete está horrorosa, acabada. Que feia! Não se cuida, se pinta demais, fica com aparência de ser pelo menos dez anos mais velha. E olha, nós temos a mesma idade. Eu não estou como ela, não é?

- Não... - respondi, incrédula com o que estava acontecendo - claro que não...

Hilário. Com tanta gente na festa, no meio da alegria, por que eu, logo eu, fui o alvo das duas? Só rindo mesmo.

Já que fui metralhada por ambas, comecei a observar, avaliar. Se elas próprias não me tivessem chamado a atenção sobre a aparência uma da outra, acho que nem notaria o quanto estavam envelhecidas. E tínhamos todas a mesma idade!

Disfarcei um sorriso e fui pedindo licença, passando por entre os grupos animados em direção ao lavabo, convencida de que queria apenas lavar as mãos e retocar o batom. Mas ao acender a lâmpada estrategicamente instalada sobre o espelho, observei meu rosto com atenção. Pequenas marquinhas de expressão, mas a pele continuava viçosa e saudável e os cabelos bem arrumados, bonitos. Meus olhos brilharam de satisfação enquanto passava cuidadosamente o batom pelos lábios.

Eu estava muito melhor do que as duas.

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