quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

TEMA 108 - DEPOIS DO AMOR

FINA ESTAMPA
Mariazinha Cremasco

O dia amanheceu nublado, do jeitinho que ela gostava. Não que desprezasse os dias de sol, mas preferia os chuvosos e encobertos para amar.

"O que a gente faz, é por debaixo dos panos, pra ninguém saber. Se eu ganho mais, é por debaixo dos panos, ou se vou perder"

Já esperava por isso, pois na noite anterior, quando foi observar a lua e as estrelas (adquirira essa mania recentemente), percebeu que a lua não piscara para ela, e as estrelas também se guardaram. Ficou uns momentos ali, no frescor do quintal, na noite sem luar, na brisa suave.

"Na bruma leve das paixões que vem de dentro
Tu vens chegando prá brincar no meu quintal (...)
Tu vens, tu vens, eu já escuto os teus sinais."

Acordou de bem com a vida. Não, não poderia ser errado o que estava sentindo, e o que estava fazendo.
Encontaram-se e o beijo gostoso, molhado, no desejo do dia que teriam juntos.

"Primeiro era vertigem, como em qualquer paixão
Era só fechar os olhos e deixar o corpo ir no ritmo
Depois era um vício, uma intoxicação,
percorrendo as veias, arrastando pelo chão.(...)
já dei meia volta ao mundo, levitando de tesão"

Ficaram ali, observando as coisas que os rodeavam. Apegando-se ao que poderiam ter, dentro dos limites do que lhes era possível. Tinham um ao outro e isso quase bastava. Nas coisas mais impessoais, conseguiam colocar sentimento.

Ele, sensível, gentil, olhava, dava forma, cor e brilho aos pequenos detalhes. Descobriu plantas, cachoeiras e sons no lugar. (a cachoeira era artificial, mas quem se importava?) Fechavam os olhos e podiam sentir o frescor de uma trilha no bosque. Apertaram um botão, o teto se abriu e puderam ver as lindas árvores. E sentiram o cheiro da terra. A música soava. Sentiam-se em casa, no lar. No seu lar particular, inatingível e indecifrável "lar". Quem mais compreenderia, senão eles mesmos?

"Estou de volta pro meu aconchego
Trazendo na mala bastante saudade
Querendo um sorriso sincero, um abraço
Para aliviar meu cansaço
E toda essa minha vontade (...)
Pra mim, tu és a estrela mais linda
seus olhos me prendem
Fascinam, a paz que eu gosto de ter"

Ela o admirava, ele a elogiava. Ela via nele o homem inteligente, cheio de brilho e poder, ele via nela a menina/mulher, cheia de ternura, que sempre esperara. Seria isso tudo apenas uma ilusão?

"Garotos não resistem a seus mistérios, garotos nunca dizem não.
Garotos como eu sempre tão espertos, perto de uma mulher, são só garotos."

Ali permaneceram por cinco horas, que pareceram durar apenas cinco minutos, tão felizes estavam. Nadaram, banharam-se na cachoeira, dançaram ao som da música imaginária, comeram a comidinha leve e saborosa que ambos queriam comer, falaram de temperos, (Ah, as pimentas vermelhas, que colocadas uma contra a outra, formam uma boca, símbolo do seu refúgio). La belle de jour, de flores, de risos, de dores. Contaram histórias um ao outro, cuidaram-se. Presentearam-se com a vida. Falaram dos seus trabalhos, cada um do seu jeito, de educação, política, religião. Livros, poesias, sexo, fantasias.

"Amor é um livro
Sexo é esporte
Sexo é escolha
Amor é sorte"

Foram embora agarradinhos, sem perder um segundo sequer de carinho. Uma pequena lágrima na despedida, mas não de tristeza. Sabiam que tinham tempo e que precisavam aprender a esperar. Precisavam exercitar a difícil arte da espera. E esperariam. Enquanto isso, no carro, de volta, a música que ele escolhera para ela.

"que una paloma triste muy de mañana le iba a cantar a la casita solacon sus puertitas de par en parjuran que esa palomano es otra cosa más que su alma"

Cada um no seu carro. Cada um no seu canto, esperando o próximo e breve encontro, baseando-se nas músicas como forma de comunicação, aguardam mais um dia de amor, e enquanto pensam, cantam:

"Esto no puede ser no más que una canción
Quisiera fuera una declaración de amor
Romántica sin reparar en formas tales
Que pongan freno a lo que siento ahora a raudales
Te amo, te amo , eternamente te amo"

Soy loco por ti, de amores
VAMOS COMBINAR
Mariazinha Cremasco


"A morte não é a maior perda da vida.
A maior perda da vida é o que morre dentro de nós enquanto vivemos.
"(Norman Cuisins)

Muitas vezes fico nervosa com meu filho mais novo, dizendo que ele é estressado, nervoso, e que sofre por antecipação. Até parece que sou muito diferente dele. Sei que falar é facil, mas na prática, a teoria é mesmo outra. Penso e já idealizo a situação.

Então me flagro dando conselhos, dizendo frases feitas do tipo: "deixa a vida me levar, vida leva eu". E sorrio, pois sei que não é assim tão simples. É uma questão de personalidade, gênio, ou até mesmo - quem sabe - genética.

Fiz um longo discurso dia desses. Contei uma historinha, que é absolutamente verdadeira. Na realidade, acho que estava falando para mim mesma, pois talvez eu precise mais do que ele, ter a certeza de que este nosso comportamento ansioso e desesperado com pequenas coisas, não nos leva a nada.
Eis o meu discurso:

"-Sabe, filho, um dia eu fui pra Europa, fiquei vinte e oito dias longe de vocês três. Era julho, e passei o seu aniversário de oito anos lá. Em Londres. Liguei pra você de uma cabine vermelha, característica da cidade. Lembra do meu telefonema?

Foi minha primeira viagem internacional. Antes de embarcar, quase me matei de trabalhar. Quis deixar tudo lindo e pronto para meus pais, que ficaram na nossa casa os vinte e oito dias, tomando conta de vocês. Para dar a eles o máximo de conforto. Até comida pronta e congelada deixei. Por tanto estresse, fiquei doente no dia de embarcar.

Mas fui. Fui e amei conhecer lugares que eu jamais sonhara ver um dia. Encantei-me. Espanha, Itália, França, Inglaterra, Alemanhã, Suíça, Portugal.

E aí? Passei boa parte desses vinte e oito dias pensando em como encontraria vocês. Será que estariam bem? Será que algo aconteceria de ruim? No fundo, segundo psicólogos, eu não me achava "merecedora" de tanta felicidade, de tanta coisa boa. Conhecer sete países da Europa? Eu? Uma menina pobre, criada por pais simples? Na Europa? Aquilo para mim era um sonho, eu me sentia dentro dos livros de história.

Final da viagem. Dia da volta. Desespero total. Eu tinha o pressentimento de que algo muito ruim aconteceria. Primeiro, achei que o avião cairia. Não caiu. Peguei um taxi no aeroporto de Cumbica, o motorista corria tanto, pensei que íamos bater feio, e que morreríamos no trajeto. O carro não bateu. Nada aconteceu. Quando entrei na nossa rua, estava inteira, minhas malas intactas, os presentes todos lá. (sua mochila de relógio, da Suíça, lembra?, a bolinha da copa do Mundo de noventa e tantas outras coisinhas)

Como nada mais de terrível poderia me acontecer, pensei em ver a casa toda em cinzas, depois de um incêndio apagado. Nada. A casa estava inteirinha. Aí esperei o vô e a vó me receberem com cara triste, desenxabidos, sem saber como falar que um de vocês estava morto, ou que um de vocês estava no hospital, ou que... tragédias. Muitas tragédias me vinham à mente.
Meus pais abriram a porta, com um largo sorriso no rosto, e uma comidinha boa no fogão. Percebi que nada de ruim tinha acontecido. Meus pais estavam bem. Meus filhos estavam bem, ainda no colégio, tudo nos conformes.

Foi quando percebi que, sem mim, a vida também andava. Percebi que não era Deus. Que não era onipotente. Que não sabia tudo. E o pior... que a vida poderia continuar sem mim.

Entendeu, filho?

Não sou um bom exemplo pra você, pois vivo preocupada demais. Libertei-me, porém não de todo. Mas você é bem mais jovem do que eu na época ( tinha 36 anos) e pode, mais depressa, exercitar-se para não sofrer tanto.

Tudo vale a pena, quando a alma não é pequena, disse o poeta. Sua alma é grande, filho. Basta que você perceba a admiração das pessoas à sua volta. Seja responsável, mas sem exageros.
E assim vamos levando a vida. Ou a vida nos leva? Não importa. Vamos viver o presente, esquecer as coisas ruins do passado, vamos guardar as boas recordações e fazer muito amor.

Que nessa vida, a gente tem obrigação apenas de ser feliz."

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

TEMA 112 - MULHER

DE PROFUNDIS
Mariazinha Cremasco


Comigo me desavim,
Fui posto em grande perigo:
Não posso viver comigo,
Não posso fugir de mim.
Sá de Miranda


Eu procurava fotos dos meus filhos, de quando eram bebês.

Precisava escolher duas bem fofas. Tarefa difícil. Eles eram tão lindos... as fotos seriam mostradas na colação de grau do meu filho do meio e do caçula. Ambos se formaram no ano passado. E ambas as cerimônias aconteceriam nesse mês de março.

Pediam as fotos para colocar no telão. Há quem considere brega. Eu acho lindo. Mostram uma foto de quando eram bebês e outra recente, enquanto o formando participa da solenidade. Mães são tão bobas...

Fiquei perdida ali, parada no tempo.

Quanta saudade senti.

Fui mexendo, virando, olhando, sentindo. Lembrando de cada momento, de cada progresso dos meus três filhos. Uma enorme ternura me inundou. Naquele momento, eu era a mais feliz das mulheres. (eu, que vivo criticando as mães, que sempre falo do seu amor exagerado, de suas emoções fora de controle e limites)

De repente, encontro uma caixinha. Uma caixinha bem guardadinha, que nunca mais vi, desde que meu primeiro filho morreu. Quer dizer... nesses anos todos, vi apenas uma vez. Meu marido guarda muito bem. Não olha e não quer que eu olhe. Como se entre nós existisse um pacto, que nunca existiu, mas que é cumprido. Não olhamos, e até bem pouco tempo sequer falávamos sobre esse assunto tão doloroso.

Pois bem: Encontrei a caixinha de fotos do meu primeiro filho, o que se foi. Não pensei duas vezes em romper o pacto imaginário.

Não sei dizer o que senti. Ali, guardadas, as fotos, a lembrancinha do nascimento, a lembrancinha do batizado.

Realmente não sei o que senti.

Foi uma confusão de coisas - dor, perda, muito amor, impotência, gratidão até. O que ele seria hoje, meu Deus?

Não sei, mas sei que devo reverenciar tudo o que tenho hoje, principalmente a saúde, inteligência e integridade dos meus três filhos, que ficaram comigo.

Deveria haver uma lei, para que NUNCA, em hipótese alguma, os filhos se fossem antes dos pais.
Não, não estou triste.

Estou apenas pensando, refletindo. Tenho um nó na garganta, mas não é tristeza. É um pensar constante nessas três pessoas que me impulsionam a viver: Bruno, Felipe e Caio.

Há coisas que jamais compreenderemos.

A morte, a maternidade e a mulher.

TEMA 117 - VERDE

VERDE E AZUL
Mariazinha Cremasco


Segue o teu destino,Rega as tuas plantas,Ama as tuas rosas.O resto é a sombraDe arvores alheias.
(Ricardo Reis)


Colação de grau na Unicamp. Biologia.

Colação de grau da FEI. Engenharia.

Meu biólogo Felipe. Meu engenheiro Caio.

Podem dizer que é brega, mas amei ver a foto deles no telão, quando bebezinhos. Se chorar de emoção é ser brega, ter orgulho, sou brega, então.

Ver os três filhos juntos, abraçados, um de beca, chapéu e faixa verde. Sorriso maroto.
Ver esse homem-menino olhar para mim, lá de cima, na hora em que falavam dos pais, não dá pra descrever.

Não tem coisa melhor. Naquele momento, fui a mais feliz das criaturas.

Emoção igual foi ver depois, em menos de quinze dias, o outro filho, de beca chapéu e faixa azul, sorrindo para mim, eleito jurador da turma e lendo o juramento do engenheiro.

Realização foi ver o mais velho, Bruno, economista, ao lado dos dois nesse momento tão especial de suas vidas.

Momento especial, alegre e ao mesmo tempo difícil. A transição. De estudantes aos bons profissionais, que certamente serão. Saber o quanto é difícil trabalhar decentemente no país em que vivemos. O quanto é difícil, principalmente, trabalhar na área da profissão que escolhemos. (Às vezes temos que nos contentar em fazer coisas diferentes das que aprendemos, daquelas em que somos mais capazes.)

Tudo isso, marcado por músicas que jamais esquecerei. Estranho como a vida é música. Principalmente quando estamos felizes.

Lílian, sabiamente, dizendo baixinho para mim:

- Esse lugar está cheio de boas energias. Aproveitemos.

Era verdade. Todas as pessoas daquele lugar, naquela hora, estavam muito alegres e podia se sentir a energia boa no ar.

O irmão mais velho fotografando tudo, de todos os ângulos, não querendo perder nada.

Rita, quietinha, observando. Nas duas colações. Fazendo força para não chorar.

O pai, tentando ser durão, sorriso de orelha a orelha. Emoção.

Dizem que as colações são todas iguais. Para mim, não. Para cada mãe ali presente, era única e diferente de todas.

Haja coração. Haja energia.

Oi, tum, tum... bate coração.
Oi, tum... coração pode bater.

Verde e azul.

E vermelho também, do amor e da emoção.

Tema 123 - PASSAPORTE

DIÁLOGO URBANO
Mariazinha Cremasco


- Hospital São Clemente, Cláudia, bom dia!

- Bom dia, Cláudia. Por favor, preciso marcar uma consulta...

- Momentinho...

(musiquinha)

- Consultas, Fátima, bom dia!

- Bom dia, Fátima. Por favor, quero marcar uma consulta com o Dr. Fausto.

- Outro número, senhora. Ligue para o direto, 4224-qualquer coisa.

- Obrigada.

Tu-tu-tu-tu... Depois de quinze minutos tentando o outro número, o tal direto:

- Consultas, Fátima, bom dia!

- ?????Fátima????? Falei com você há pouco, gostaria de marcar uma consulta com Dr. Fausto.

Entra a musiquinha... Sequer disse o indefectível "momentinho".

Minutos depois:

- Ah... só para o dia 26 de julho, pode ser?

- Não, é urgente. Precis...

- Lamento, Dr. Fausto não admite encaixes.

- Está bem então... dia 26 de julho.

- Nome do paciente?

- Mario Cremasco.

- Ah... o Sr. Mário? É urgente?

- Sim, é urgente.

- Então venha na próxima terça no último horário, que vou tentar falar com o doutor. Mas não garanto nada... Se ele não estiver de bom humor...

Depois dessa, nem reclamei. Como ia dizer que precisei ligar para dois números diferentes, que ficavam na mesma mesa, e que ela mesma, Fátima, era responsável pelos dois? Um só para marcar consulta? Reclamar depois da moça reconhecer meu pai só pelo nome, como reclamar?

De qualquer maneira, fica aqui meu protesto.

Então é assim? Que raio de convênio médico é esse, que faz uma pessoa esperar quase um mês para ser atendida, pelo próprio médico que pediu urgência? E o descaso no atendimento? E o fato da moça (que eu nem sabia) conhecer meu pai, e "quebrar o galho"? E os outros idosos que necessitam de urgência? Todos os galhos serão quebrados? Vou morrer sem entender. Entender, não. Conformar.

Não vou me conformar nunca com essa situação. Quebrar galho? Saúde não é pra "quebrar galho", meu amigo. Saúde é coisa séria, e esse país parece que esqueceu.

TEMA 133 - PIEDADE

MISERERE NOBIS
Mariazinha Cremasco


...e se piedade vos sobrar, senhor, tende piedade de mim.

(Elegia Desesperada, Vinicius de Moraes)

Começo de ano, tantos planos, tantas coisas a mudar.

Tantas coisas a fazer, e parado - como na canção - esperando a morte chegar.

Por que?

Tanta coisa precisando da sua atuação, e no entanto sente-se o menos importante do mundo, o que talvez menos possa fazer ao próximo mais próximo.

Promete preces. Não faz

Promete solidariedade. Não dá.

Promete amizade. Fica no seu canto.

Oferece seus serviços - o que precisar, estou às ordens - E se esconde.

Era para ele, que o poeta cantava:

...vamos pedir piedade, pra essa gente careta e covarde...

O ano se vai lerdo, e todos dizendo o quanto passou depressa.

Frases feitas e banais.

Vai chover, está calor, já estamos no fim de janeiro?

Passa depressa pela falta de esperança, de objetivo, de fé.

Morre lentamente pela desarmonia, insegurança, medo do novo. Desamor

Não!

Fica indignado com o próprio pensamento: amor tem muito.

Falta-lhe vida.

Mas é tão alegre...

Casca. Apenas casca.

...vamos pedir piedade, pra essa gente careta e covarde...

Lutou, brigou, morreu na praia. Foi derrotado.

Das poucas coisas de que tem certeza, é impedido de agir, por seu maior inimigo: ele próprio.

Letárgico.

Visto como uma grande alma, no fundo sabe que tem a alma pequenina e feia.

...vamos pedir piedade, pra essa gente careta e covarde...

Fraco, esconde-se nos que considera fortes.

Covarde.

Finge que lê, entende, viu, está acompanhando.

Mas vive trancado no seu mundinho de infelicidades e incertezas, culpando todos.

Todos pensam que tem bom humor, quando não passa de pessoa amarga, azeda, de mal com a vida.

...vamos pedir piedade, pra essa gente careta e covarde...

Bom, dizem que admitir já é um passo.

E agora, que leu dentro de si mesmo, quem sabe ainda seja possível mudar?

As vezes pensa que não. Não pode.

Outras vezes pensa - as pessoas que estão aí, fazendo e acontecendo, são exatamente iguais.

Descrentes, porém com discurso na ponta da língua.

Fachada.

Será que são todos iguais?

Ou é possível confiar em alguém?

...vamos pedir piedade, pra essa gente careta e covarde...

Ainda existe gente sensível e verdadeira nesse mundo de Deus?

E Deus?

...vamos pedir piedade, pra essa gente careta e covarde...


Tema 135 - PEDIDO



sábado, 15 de janeiro de 2011

Tema 136 - FASCINAÇÃO

DOCE PÁSSARO DA JUVENTUDE
Mariazinha Cremasco


mas sempre tem a cama pronta,
e rango no fogão- Lulu Santos) -

Na sua primeira visita ao pediatra, eu não conseguia parar de chorar. Ele me disse, com carinho e ternura (ah, bendito dr. Elbe):

- Maria, um raio não cai duas vezes no mesmo lugar.

Tomei isso como verdade absoluta (hoje eu sei que cai, sim) e resolvi viver melhor.
Traumatizada pela perda de um filho, apenas três meses antes de você nascer, tinha medo que ficasse doente também. E você chegou já cheio de responsabilidades. Tão pequenino e indefeso, e com um papel tamanho neste mundo. Ao contrário do seu irmão, era moreninho de enormes olhos castanhos. Veio para alegrar e dar cor novamente às nossas vidas. Temi pela sua integridade mental, uma vez que ainda me sentia perturbada, atordoada pelos tristes acontecimentos recentes.

"Um raio não cai duas vezes num mesmo lugar. Cada filho é um filho. Único. Não faça comparações. Não crie seu filho numa redoma de vidro."

Sábios conselhos do Dr. Elbe, a quem serei grata por toda a minha vida. Coloquei esses ensinamentos no meu dia a dia, e repetia como se fosse um mantra. E você foi crescendo, com os imensos olhos castanhos sempre inquisidores, atentos a tudo. Inteligente, esperto. Um escorpiano dos bons. Em toda a sua trajetória de bom menino, bom amigo, bom rapaz, bom homem. Com defeitos e acertos. Um grande ser humano, de personalidade forte. Do pré ao colegial no Regina Mundi, da sua entrada na PUC para cursar Economia (eu não me conformava - como alguém poderia gostar disso?). Como esquecer você, a cabeça raspada, meu menino/homem de bermudas e tênis, do corpo tão lindo, tão cedo na faculdade? Das aulas de inglês e natação, de nossas idas e vindas juntos a todos os lugares, dos seus ciúmes de mim, que eu amava e achava tanta graça.

Seu primeiro carro, lembra? (quando o filho aprende a dirigir, a mãe não serve mais como motorista), do primeiro emprego. A saída de casa, para morar e trabalhar em Campinas, a montagem do apartamento, a pós graduação, que escolheu e enfrentou tudo sozinho. Ontem, ao deixá-lo no aeroporto, para mais uma etapa de sua vida, olhei novamente seus olhos castanhos e francos, com fascinação. Meu menino é um homem e parte para outro país.

Não me dou o direito de estar triste com a sua ausência. Sinto orgulho de você, que percebe nessa viagem, o reconhecimento de um trabalho, seu crescimento pessoal, o sucesso na carreira. E você merece, filho. Merece cada pequena vitória. Você lutou para isso. De bermuda e tênis ou de terno e gravata, você será sempre o meu menino, levado, sapeca, terrível, uma criança adorável cujos olhos encantam.

Seja feliz, Bruno.
Eu estarei sempre esperando, com a cama pronta e o rango no fogão.

Tema 138- VAMPIRO

ATÉ A ÚLTIMA GOTA
Mariazinha Cremasco


Djalma tinha quarenta e poucos anos. Barba ruiva, olhos espertos, mãos pequenas e delicadas.
Havia quem dissesse que era gay.

Casado com Olivia, pai de Débora, aparentemente frágil e desinteressante quando ao lado da mulher, a quem fazia questão de chamar "minha esposa".

Olívia, mimada e cheia de vontades, fazia dele gato e sapato. Personalidade forte, inteligentíssima, rosto lindo, corpo feio e extremamente gordo, porém dotada de uma auto-estima invejável. Talvez, essa auto-estima fosse a responsável pela admiração que causava em quase todos que a conheciam, e que não enxergavam sequer seus piores defeitos.
Realmente, quem olhava para Olívia, só enxergava seu extremo carisma, seu sorriso contagiante, sua alegria de viver, o amor que dedicava à vida e principalmente a si mesma.
Djalma fazia-lhe todos os gostos. Perto dela, ficava ainda menor, desemxabido, parecia mais um asno, um imbecilóide do que um engenheiro bem sucedido.

Seus olhos pareciam para-brisas olhando de soslaio pra lá e pra cá. Um periscópio, captando imagens de Olívia por todos os lados. Ela era o seu maior bem, e todo o seu mal.
Pois é. Djalma tinha sucesso na profissão, e quando longe da mulher, mantinha a espinha ereta, o olhar altivo. Sabia falar e se comportar, dava sugestões e tinha grandes idéias. Isso lhe rendia um alto salário, que alimentava os luxos da mulher.

Débora, a filha mimada pelo pai e sem qualquer carinho da mãe, era antipática, fria, briguenta, birrenta, insuportável.

Moravam num bairro de classe média alta, muito perto de um dos mais caros colégios da cidade. Olívia recusava-se a levar a filha para a escola. Seus dias eram só seus. Débora ia e voltava com o ônibus escolar, saía horas antes de casa, por causa da boa vida da mãe.
Olívia na sua mesquinhez total, e sempre preocupada com seu próprio umbigo, vivia de olho nos homens. Todos a olhavam e a cobiçavam. Todos na verdade é exagero.
Que desculpem o pré-conceito, que na verdade nem é meu, mas os homens que se interessavam por ela sempre eram operários, de nível cultural, social e econômico, muito abaixo do dela, bibliotecária que nunca tinha exercido a profissão.

De amante em amante, ela vivia a vida. E costumava dizer com a voz cheia de personalidade, como se fosse a dona da total verdade:
- Djalma, a culpa é sua. Desde quando nos casamos eu avisei que gostava muito de sexo. Você nunca correspondeu às minhas expectativas.

E o pobre homem curvava-se e encolhia diante de tais palavras.

Os porteiros do prédio riam dele. Diziam que ele não cabia mais no elevador por conta do tamanho dos chifres.

E não se sabe porque Djalma aguentava tanto. Ela teve tantos amantes que chegou ao ponto de recebê-los em casa nos horários de aula da filha. Djalma no fundo sabia, mas era um dependente daquela mulher e isso nunca se entendeu ao certo.

Uma das frases preferidas de Olívia, que deixava o pobre homem arrasado:

- Como posso ser feliz com um homem que tem ejaculação precoce, mau hálito e pau pequeno?

- Você sabia que eu era assim antes de nos casarmos.

- Mas você deveria ter mudado, eu pedi que procurasse ajuda, médicos, psicólogos. Agora aguente, Djalma.

Até que um dia ela se apaixonou de verdade pelo funcionário de uma autorizada de carros. O amante era bonitão, cheiroso, e entrava na casa como todos os outros: pelo elevador de serviço.
Foi com Leopoldo que Olívia aprendeu o que era sofrer. Leopoldo, casado, pai de três filhos, aproveitava-se do amor de Olívia, e a extorquia como podia.

Claro que Djalma ficou sabendo, e ficava feliz vendo o sofrimento da mulher. Dizia para si mesmo: "Ela merece. Farão com ela o que faz comigo."

Nunca alguém entendeu esse relacionamento tão estúpido. Por que ele não se separava dela? - perguntavam-se todos.

Um dia, entendi o que acontecia. Djalma gostava mesmo era de sofrer, de se lamentar aos amigos.

Sentia um prazer doentio em sofrer, e ser vampirizado por ela, que o sugava de todas as formas.
Implorava-lhe sexo, e ela negava. Rastejava por amor, humilhando-se.
Um dia Djalma ficou na espreita esperando a hora que o amante subisse pelo elevador de serviço. Deixou que passasse dez, quinze minutos, para depois subir pelo elevador social.
Os porteiros ficaram entre assustados e felizes. Finalmente aquele corno ia pegar a gorda com seu amante pobre.

Djalma entrou pela sala, silencioso e ágil como uma raposa , e deliciou-se ao ouvir os gritos de prazer que vinham do seu próprio quarto.

Aproximou-se para assistir à cena. Olívia fazia com aquele homem o que sempre se recusara a fazer com ele. Ao invés de estar indignado, raivoso, Djalma estava excitado. Como amava aquela mulher, que prazer e dor aquela cena lhe proporcionava.

Naquele momento tudo o que Djalma queria era o sexo a três. Lembrou-se que um dia chegara a propor à Olívia ir a uma casa de swing, coisa que ela recusou injuriadíssima. Como? Ela? Uma mãe de família? Era mesmo muito contraditória e engraçada essa mulher.

Enquanto Leopoldo urrava sobre Olívia, já quase chegando ao orgasmo, Djalma com os olhos em chamas masturbava-se freneticamente, e sua respiração ofegante se fazia ouvir.
Olívia olhou assustada, e enxergou Djalma enquanto Leopoldo gozou.

Antes que o amante percebesse o que estava acontecendo, a mulher, furiosa, saiu da cama num pulo, com ódio por ter desperdiçado um orgasmo com seu amor, agarrou o marido pelo pescoço com as duas mãos, enquanto ele ao invés de se defender ficou totalmente à mercê de seu bem maior.

Num gesto de amor à Leopoldo e de ódio ao intruso, Olívia com uma força que só a insanidade pode fornecer, arrastou Djalma até a janela e inexplicavelmente levantou-o com as duas mãos, como se ele fosse um boneco de plástico e o atirou do décimo andar.

Djalma não mais seria sugado por ela. Com sua morte, acabou com a vida de Olívia, coisa que sempre quis fazer.

domingo, 2 de janeiro de 2011

TEMA 139 - INSEGURANÇA (maio 2006)


CRISTAL
Mariazinha Cremasco


Para qué me curaste cuando estaba herío
si hoy me dejas de nuevo con el corazón partío.
(Alejandro Sanz - Corazón Partido)

Fazia tempo que não se sentia assim.

Domingo amarelo de sol e não estava feliz.

Triste, ansiosa, preocupada. Saudades de um, preocupação com o outro, insegurança com um terceiro.

Pensava por quais caminhos seguiriam.
Ela há muito desistira de seguir o seu.

Uma força estranha a impedia. Como satisfazer seus caprichos, se já nem sabia mais o que queria?

Andava cansada de tudo. Da máquina fotográfica, do tricô, do computador, da cozinha, da televisão, da coleção de vídeos, dos livros, pequenas coisas que antes lhe davam tanto prazer. Até dos amigos fugia.

Estaria assim só por causa de algumas palavras? Palavras essas, ditas em uma noite, num trajeto infeliz? Ou seria o acúmulo das palavras amargas, ditas insistentemente durante longos anos?
Ela não sabia. Sabia apenas do seu cansaço - desejava mudar, sumir, transformar-se. Que rumo tomaria?

Recomeçar tudo agora ela já não sabia. Para querer de novo, seria preciso ir embora antes que a esperança acabasse.

Ela percebe que pode ser coisa passageirae em breve estará sorrindo. Mas entende também que a dor do momento é grande e parece que jamais vai passar.

Tem medo, quer carinho e proteção. Acostumada a ser tratada como forte, não lhe dão o direito de sentir-se frágil.

Num fragmento de tempo se dá conta, que é ela quem não se dá este direito. É frágil mas tem medo de romper a figura criada.

Inveja a amiga, que faz do dia uma loucura. Que tem garra e força para enfrentar como fera os desafios. Vira-se em dez, faz úteis e não fúteis as vinte e quatro horas do dia.

Inveja? Palavra mais feia. Mas se ela existe, não admitir por quê?

Todos têm inveja, ainda que seja por um momento, de algo, de alguém.

Será que trocar é mudar? Covardia, medo do novo. Esperança de renascimento.

Insegurança com as duras palavras: "você não faz nada".

E ela nada fazia!

TEMA 142 - DOCE MELANCOLIA

O ANTI ALFREDO
Mariazinha Cremasco

Alzira,

Estou me despedindo. Meu amor é tão grande, que não posso ficar mais sofrendo desse jeito.

Fiz de tudo pra você me amar, escrevi nossos nomes nas velas acesas sobre o prato com mel, guardei dentro de uma maçã, fiz despacho com pai de santo, trabalho na encruzilhada, joguei flores pra Iemanjá. Tudo isso pra você me querer, pra você me amar. Até escrevi Alzira num papel dentro do congelador, depois tirava e colocava na água fervendo, na esperança de que se você sofresse, voltaria pra mim.

Mas que nada, Alzira. Você só fez me desprezar. Nunca estava pronta pro meu amor. Quando deitava ao meu lado, ficava com o pensamento em outro lugar. Hoje eu sei onde andava seu pensamento, e quem era o dono do seu coração. Como fui burro, como fui cego. Agora entendo o porquê de todo corno ser manso.

Os melhores presentes que meu salário podia comprar eu lhe dava, todos os dias lavava a louça do jantar, deixava de ver o jogo pra você ver a novela, e nunca reclamei das contas altas de telefone, onde você falava sem parar. Era com ele, agora eu sei.

Eu lhe quis, eu lhe pedi, eu lhe implorei. Alzira, por que? Aceitava tudo, meu amor. Só pedia para não me trair. Que cego eu fui. Todos sabiam que você tinha outro, menos eu.

Quantas vezes, na rua, me sentia sozinho em plena multidão. No reveillon do ano passado, na Avenida Paulista, lembra? Uma multidão brincando e eu infeliz, sofrendo, vendo minha amada cantar e sambar. Você enchia aquele vestido branco, Nunca foi um modelo de beleza, mas para mim, sempre a mais linda. Acho que aquele tal sentia atração pelos seus feromônios. É. Ele nunca lhe amou.

Alzira, meu amor, estes seus feromônios são o inferno da minha vida. Lembra daquela noite, na festinha de aniversário da Vanda? Estava na sala tomando cerveja quente com a turma (eita, gente pra receber mal) e você na cozinha, repondo os tira-gostos. Alzira, eu vi. Eu vi, Alzira, com estes olhos, o marido da Vanda te encoxando na pia. Como vocês puderam? Aquele dia eu já me senti um desgraçado.

Hoje eu sei que você nunca me enxergou como homem, você me tinha para fazer figuração, para pagar suas dívidas, eu era o tapete pra você pisar, era o chão para você cuspir, era o banheiro pra você dar a descarga.

Por que, Alzira? Justo com aquele safado e sem vergonha do Alfredo?

Não podia ser com outro? Que vergonha, Alzira. Que vergonha. Justo com o Alfredão? Pensa que eu não fiquei sabendo que você usava meu dinheiro para comprar presentinhos pra ele? Pensa? Descobri até que as suas amigas mentiam para acobertar você. E sabe o que você é para o Alfredo? Uma aventura, um número a mais na agenda dele. Ele não lhe ama, Alzira. Nunca lhe amou. Ele só queria tirar você de mim. Ele quer todas. Todas que tenham um homem.

Alzira, até Viagra tomei, para satisfazer você. Nunca precisei, mas achei que se ficasse teso por mais tempo, apagaria este seu fogo e você não teria mais ninguém. E você detestou, Alzira. Riu de mim. E contou praquele homem bonito e bem apessoado que eu tinha tomado remédio pra ereção. Justo pra ele, sujeito de fala mansa, a quem muitas mulheres entregaram o coração e muitas outras coisas mais.

Isso eu não posso suportar, Alzira. Eu ouvi ele conversando no bar sobre o tal remédio, e tenho certeza que era de mim que ele falava. Isso não se faz, Alzira. Por isso, minha querida, meu amor, quando você ler essa carta, minha vida estará acabada. Mas não pense que o remorso de carregar minha morte nos ombros vai ser a sua única dor. Você vai chorar muito, minha querida. Você vai sofrer muito ainda. Porque antes de acabar minha vida, acabei com a vida do Alfredo. Saia, corra, vá depressa conferir onde está o seu amante, morto, cheio de formigas, vai.

Coitado, ele não teve culpa, era a natureza dele. Não traiu ninguém. A culpa foi toda sua, vagabunda!

Alfredo e eu não lhe daremos paz.

Um beijo, minha querida. Eu lhe amo, sua puta.

Para sempre seu,

Armando.

TEMA 144 - TRAJE COMPLETO

CAIO, 4! ANOS
Mariazinha Cremasco


Meu filho mais velho estava com três anos e meu caçula tinha três meses. Eu não pensava mais em ter filhos. Não queria mais. Dois era o suficiente para os tempos atuais. Sem contar o fato de que tínhamos perdido nosso primogênito, doenças congênitas. Não queria mais filhos. Fim. Meu médico recusou-se a fazer a ligadura de trompas por eu ser muito jovem na época (bendito médico). Um dia, recém saída de uma cirurgia renal para extrair um cálculo, faltou-me a menstruação. Deve ser da anestesia, pensei.
- Você está com cara de grávida - disse o ginecologista-obstetra.

- Nem me fale uma coisa dessas - respondi.

Eu estava grávida, sim. Os exames confirmaram. Por exatamente (lembro-me como se fosse hoje) uma hora, fiquei transtornada. Passado esse tempo, olhei-me no espelho e perguntei:

- Vai ou não vai ter esse filho?

- Sim - respondi para mim mesma - Vou.

- Então não reclame mais. Faça dessa notícia uma bênção.

E assim foi. Foi minha melhor gravidez, meu melhor parto.

Você nasceu com música, um médico amigo do seu pai, que coincidentemente encontramos na entrada da maternidade assistiu seu nascimento. Foi lindo. Nasceu grande, forte, bonito. O bebê mais fofo do berçário. Cara de joelho? Não... você nunca teve cara de joelho, filho. Seu pai e eu lhe demos o nome do seu irmão. Caio. Nome do qual você gosta muito, o que me faz muito feliz. Você enche a boca para dizer: CAIO.

Não, eu não pretendia colocar nos seus pequeninos ombros o peso do nome do irmão que se foi. Eu também tinha total certeza de que você não era ele. Que seu irmão não tinha voltado. Apenas eu queria repetir esse nome em voz alta: Caio.

E você foi das melhores coisas que nos poderia acontecer. Sempre alegrou a casa. Chorão e inteligente, esperto, amigo de verdade. Não havia quem não gostasse de você, especialmente os pais dos seus amigos. Muitos vinham busca-lo em casa. Adoravam sua companhia. Pra mim, sempre um meninão. Pensei que a primeira vez que usaria um terno seria na sua formatura. Enganei-me. Antes disso, no primeiro emprego, aparece na minha frente de terno e gravata e lap top na mão. Meu menino velho. Meu Nenê-vovô. E não adianta fazer essa cara, você sabe do que estou falando e o carinho que há nessas palavras.

Eu acho tanta graça quando você, de terno e gravata, chega com a mochila amarela nas costas. Dá uma idéia exata da sua personalidade. Íntegro, responsável, e ao mesmo tempo, criança, menino. Não que o hábito faça o monge, mas eu o conheço bem e posso afirmar com certeza o que você é, meu filho. Gosto e me emociono sempre que sua namorada diz ou escreve sobre encontrar a paz nos seus olhos castanhos. Seus lindos olhos castanhos. Que também me trazem paz quando os sinto serenos. Sim, sentir é sempre mais seguro do que ver.

Por tudo isso, pelas alegrias e pelos sorrisos, pelo bem que você trouxe às nossas vidas, chegando num momento em que eu pensava ter desistido de gerar, é que eu digo com meu coração aberto:

Eu te amo, Caio.
FELIZ ANIVERSÁRIO, FILHO!

TEMA 157 - MEMÓRIA IMPLACÁVEL

ZEPA
Mariazinha Cremasco


Estava precisando comprar uma roupa nova e fui tentar o que tanta gente faz: ir à Rua José Paulino, carinhosamente chamada Zepa, famosa em São Paulo por seus preços e variedades.
Moda... pffff... Tudo igual, as lojas seguem o mesmo estilo, salvo raríssimas exceções. Tem até desfile na rua. (a moça de coração bom deve ter desfilado lá.)

Estreei o Fura-Fila - agora Expresso Tiradentes. Aquele que liga o nada a coisa alguma. Eu moro no "coisa alguma". O nome original, Fura Fila, foi dado pelo ex prefeito Pita há dez anos. Uma obra superfaturada, caríssima que, para funcionar, precisou ser modificada em seu projeto original. Nada além de um "busão" nos ares, um minhocão só de ônibus.
Andei de metrô, caminhei bastante e vi tudo igual. Sempre qüelo quarantoto, como diria minha avó.

A moda é uma coisa terrível mesmo. Queria um vestido simples, meio clássico, sem muito detalhe. Mas que nada.Todos tinham ou uma faixa na cintura e um laço atrás, ou eram frente única estampado. E as estampas pareciam todas iguais. Verde e branco, preto e branco, azul e branco. Desisti, claro.

Foi então que, com minha super-hiper-mega memória, lembrei de uma loja que frequentei por uns tempos. Na Estação Julio Prestes. Da Zepa*, ou J.P, como é chamada a rua, até ela eu chegaria em 5 minutos de caminhada (me disse um informante) O que seriam 5 minutos pra quem estava há horas andando?

E lá fui eu procurar a loja, da qual sequer sabia o nome. Lembrava apenas que a vendedora era simpática, tinha sotaque nordestino, era morena e se chamava Rita.
-A senhora sabe como ela é? - pergunta um segurança-
-Morena, alta, cabelos escuros e compridos, bem falante e MUITO simpática.
-Assim fica difícil, moça.
Embora eu tenha adorado ser chamada de moça, ele não conhecia a Rita.

Perguntei a TODOS os seguranças e nenhum sabia quem era a tal moça com sotaque nordestino.
E lá vou eu, teimosa como uma porta, caminhando dentro do mini shopping que nem é tão mini assim, para tentar encontrar a loja da Rita. Subi, desci, subi novamente.
-A senhora sabe ao menos se era no térreo ou no primeiro andar?
-Primeiro andar! Tenho certeza! Eu subia as escadas e entrava à direita.
Depois de muito procurar, cheguei à conclusão de que a loja deveria ter fechado. Afinal de contas, embora certa de que era no primeiro andar, eu andei tudo de cabo a rabo e várias vezes, nos dois andares.

-Tem certeza de que é preciso subir a escada?
-Claro! Eu conheço bem a loja e conheço bem a Rita. (será que ele estava me achando com cara de doida?).

Mesmo sabendo que sou meio sem noção (os lugares, não sei porquê, me parecem sempre tão parecidos...) continuei tentando.

Sou teimosa e não me conformava em ir embora sem achar a Rita. Então, passei pela enésima vez diante de uma loja, pasmem, no térreo. Nessa enésima vez, resolvo olhar para dentro (tendo a certeza de que não era lá).
E quem eu vejo? A Rita!

Rita é quase igual ao que eu me lembrava. Alta, falante, simpática e louríssima. Loura de cabelos descoloridos!
-Apois, Maria! Lembrou-se de mim, foi?
-Rita! Que bom ter encontrado você! Mudou para o térreo? Você ficou loura?
-Absolutamente! A loja sempre foi aqui e eu nunca fui morena. Eu uso esse cabelo há décadas.

Eu e minha falta de noção de espaço.

Enquanto isso minha companheira de andança ria até não mais poder. A loja é a melhor do lugar e as roupas também. Finalmente encontrei o que desejava. Um vestido simples, com bela caída, que usarei em uma data pra lá de especial.
Meus pés doíam tanto, que precisei trocar de calçado com a minha amiga querida, companheira dessa jornada.
Na volta, quis "destrocar" os calçados, claro. Estávamos dentro do ônibus, mas eu não quis saber. Trocamos ali mesmo, em pleno movimento do ônibus cheio e nós duas de pé, praticamente penduradas. É terrível andar de ônibus em São Paulo. Não há o menor respeito pelo ser humano. Correm, abusam nas curvas e ficamos à mercê deles.
O importante é que, na minha sacola, estava o tão procurado vestidinho verde...