quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

TEMA 108 - DEPOIS DO AMOR

FINA ESTAMPA
Mariazinha Cremasco

O dia amanheceu nublado, do jeitinho que ela gostava. Não que desprezasse os dias de sol, mas preferia os chuvosos e encobertos para amar.

"O que a gente faz, é por debaixo dos panos, pra ninguém saber. Se eu ganho mais, é por debaixo dos panos, ou se vou perder"

Já esperava por isso, pois na noite anterior, quando foi observar a lua e as estrelas (adquirira essa mania recentemente), percebeu que a lua não piscara para ela, e as estrelas também se guardaram. Ficou uns momentos ali, no frescor do quintal, na noite sem luar, na brisa suave.

"Na bruma leve das paixões que vem de dentro
Tu vens chegando prá brincar no meu quintal (...)
Tu vens, tu vens, eu já escuto os teus sinais."

Acordou de bem com a vida. Não, não poderia ser errado o que estava sentindo, e o que estava fazendo.
Encontaram-se e o beijo gostoso, molhado, no desejo do dia que teriam juntos.

"Primeiro era vertigem, como em qualquer paixão
Era só fechar os olhos e deixar o corpo ir no ritmo
Depois era um vício, uma intoxicação,
percorrendo as veias, arrastando pelo chão.(...)
já dei meia volta ao mundo, levitando de tesão"

Ficaram ali, observando as coisas que os rodeavam. Apegando-se ao que poderiam ter, dentro dos limites do que lhes era possível. Tinham um ao outro e isso quase bastava. Nas coisas mais impessoais, conseguiam colocar sentimento.

Ele, sensível, gentil, olhava, dava forma, cor e brilho aos pequenos detalhes. Descobriu plantas, cachoeiras e sons no lugar. (a cachoeira era artificial, mas quem se importava?) Fechavam os olhos e podiam sentir o frescor de uma trilha no bosque. Apertaram um botão, o teto se abriu e puderam ver as lindas árvores. E sentiram o cheiro da terra. A música soava. Sentiam-se em casa, no lar. No seu lar particular, inatingível e indecifrável "lar". Quem mais compreenderia, senão eles mesmos?

"Estou de volta pro meu aconchego
Trazendo na mala bastante saudade
Querendo um sorriso sincero, um abraço
Para aliviar meu cansaço
E toda essa minha vontade (...)
Pra mim, tu és a estrela mais linda
seus olhos me prendem
Fascinam, a paz que eu gosto de ter"

Ela o admirava, ele a elogiava. Ela via nele o homem inteligente, cheio de brilho e poder, ele via nela a menina/mulher, cheia de ternura, que sempre esperara. Seria isso tudo apenas uma ilusão?

"Garotos não resistem a seus mistérios, garotos nunca dizem não.
Garotos como eu sempre tão espertos, perto de uma mulher, são só garotos."

Ali permaneceram por cinco horas, que pareceram durar apenas cinco minutos, tão felizes estavam. Nadaram, banharam-se na cachoeira, dançaram ao som da música imaginária, comeram a comidinha leve e saborosa que ambos queriam comer, falaram de temperos, (Ah, as pimentas vermelhas, que colocadas uma contra a outra, formam uma boca, símbolo do seu refúgio). La belle de jour, de flores, de risos, de dores. Contaram histórias um ao outro, cuidaram-se. Presentearam-se com a vida. Falaram dos seus trabalhos, cada um do seu jeito, de educação, política, religião. Livros, poesias, sexo, fantasias.

"Amor é um livro
Sexo é esporte
Sexo é escolha
Amor é sorte"

Foram embora agarradinhos, sem perder um segundo sequer de carinho. Uma pequena lágrima na despedida, mas não de tristeza. Sabiam que tinham tempo e que precisavam aprender a esperar. Precisavam exercitar a difícil arte da espera. E esperariam. Enquanto isso, no carro, de volta, a música que ele escolhera para ela.

"que una paloma triste muy de mañana le iba a cantar a la casita solacon sus puertitas de par en parjuran que esa palomano es otra cosa más que su alma"

Cada um no seu carro. Cada um no seu canto, esperando o próximo e breve encontro, baseando-se nas músicas como forma de comunicação, aguardam mais um dia de amor, e enquanto pensam, cantam:

"Esto no puede ser no más que una canción
Quisiera fuera una declaración de amor
Romántica sin reparar en formas tales
Que pongan freno a lo que siento ahora a raudales
Te amo, te amo , eternamente te amo"

Soy loco por ti, de amores

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