quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Tema 031 - DISFARCE

A CORTINA
Mariazinha Cremasco

Sabe aqueles dias em que você não vê graça em nada, em que tudo parece escuro, sujo e feio? Pois é, num desses dias, sentada sozinha na sala, comecei a olhar detalhadamente todos os móveis. Não vi graça nem beleza em nenhum. A cortina - coitada - acabou se tornando o alvo da minha crítica e do meu mau humor.
Fiquei olhando pra ela e pensando em sua utilidade. Como eu a vejo e para quê ela serve. Para tapar o sol naquelas horas em que ele entra impiedosamente no lugar onde estamos trabalhando, vendo tv, brincando com nossos filhos, tendo uma conversa séria com alguém (até mesmo uma entrevista de trabalho) ou namorando. É bom namorar à luz do dia, sim senhor. Mas o sol direto no rosto incomoda um pouco.

Pode ser usada também (a cortina) como um disfarce. Preste atenção: na maioria das vezes a cortina é muito maior do que a janela. Ela toma a parede inteira e a janela, coitadinha, tão pequenininha ali, escondida pela cortina. A cortina nessas horas passa a ser um disfarce. Ah, sem contar que em alguns casos o disfarce é tamanho que nem janela há. A cortina está lá. De enfeite. Ora tapando imperfeições na parede, ora para harmonizar o ambiente. Disfarce puro. Tudo isso sem contar (nos casos em que há janelas) que serve também para olhar pela brechinha quando a campainha toca e não atender aos testemunhas de Jeová, inconfundíveis.

Foi olhando para a janela de minha sala, ou melhor, foi olhando para a cortina de minha sala que fiquei pensando em tantas coisas que gostaríamos de tapar, assim como a cortina. Ou que gostaríamos de descobrir, abrindo literalmente a mesma, porém não temos coragem. Estou sendo incoerente? Tá difícil entender? Vou tentar ser clara.

Cortinas servem para tapar. Tapar imperfeições, tapar a claridade, tapar a parede, tapar o vidro sujo. Disfarces servem para tapar o que não somos ou o que gostaríamos de ser. Homens infelizes disfarçados de bons filhos, bons empregados, bons pais, bons maridos. Mulheres insatisfeitas disfarçadas de super-mulheres, super-mães, amigas, amantes. Gente que gostaria de quebrar regras, libertar-se de leis e esquemas, porém vestidos com a cortina do dia-a-dia, escondendo-se de si mesmos.

Disfarça-se tudo. Disfarça-se a insensatez, disfarça-se a infidelidade, disfarça-se o desejo de "ser", disfarça-se o preconceito, disfarça-se a vontade de amar, a vontade de enganar, a vontade de mandar tudo às favas, disfarça-se a vontade de viver, de criar asas e voar.

Tudo em nome de que? De sermos "normais". Cruzes. Coisa mais chata aquela cortina arrumadinha, engomadinha, certinha, lavada de mês em mês, sendo aberta e fechada com cuidado para durar mais, para viver bem por mais alguns anos. Viver bem? O que é viver bem? Economizar? Guardar? Prover? Prever? Previnir? Ou será que viver bem é remediar? Estamos sempre remediando. Será que isso nos basta? Será que isso é viver?

Pobre cortina. Pobre ser humano, que quer ser normal. Pobres de nós, que para viver precisamos disfarçar. Chegou a hora. Quero tirar a máscara. E para começar, vou arrancar as cortinas da sala e deixar a luz do sol entrar.

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